quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Um pequeno gigante

Sentia saudade. Saudade dos alegres tempos passados. Da minha amada que partiu, do meu filho e netos que estão longe.

Nos velhos tempos sentia que tinha um mundo sobre as minhas costas. Tinha a minha família para cuidar e trabalhava imenso a fazer peças de artesanato. Os turistas compravam tudo aquilo que eu fazia. Então eu fazia centenas, não milhares, de peças por semana. Garantia que havia sempre comida em casa e o meu filho conseguiu estudar.

Os turistas ainda compram tudo o que faço. A vontade e a necessidade de trabalhar é que são menores. Um dia, de manhã, mais por capricho de um velho do que por necessidade de vender, resolvi fazer uma coisa diferente: um pequeno mundo sobre uma pequena mão.

Após acabar a peça, coloquei-a numa prateleira e abri a loja. Estava um lindo dia de Sol. Os turistas entravam e saiam. Alguns iam apressados, outros demoravam algum tempo. Alguns não compravam nada, outros compravam imensas peças. Alguns eram simpáticos, outros ignoravam-me por completo e ainda havia quem me olhasse com desprezo, como se o que compram não fosse algo nascido do meu trabalho e da minha criatividade. No fundo, da minha história.

Ao fim de um dia que parecia ser igual a tantos outros, quando estava a preparar-me para fechar a loja, entrou uma jovem. Vestia roupa de praia e aparentava ser só mais uma universitária a aproveitar as férias.

- Boa tarde – cumprimentou a rapariga.

Reparei no seu aspeto. Bastante parecida com a minha amada quando a conheci. Tinha a mesma vivacidade capaz de encher qualquer espaço com alegria.

A rapariga, sempre a sorrir observou todas as peças que tinha a loja. Surpreendi-me quando ela pegou na peça que tinha feito nessa manhã, pergunta-me:

- Qual é a história desta mão?

- História? É só uma peça... Não tem história nenhuma – respondo.

- Tudo tem uma história. Nem que seja a forma como a fez.

Fiquei surpreendido por a jovem reconhecer meu trabalho, então resolvi inventar uma pequena história, como as que contava ao meu filho quando era pequeno.

- Num local muito distante, um gigante vivia sozinho. Todos os dias chorava por se sentir só. Embora estivesse sempre à procura de outros gigantes, não tinha esperança de algum dia encontrar alguém. Apesar de ser um gigante, sentia-se pequeno. Um dia, ao limpar as lagrimas, reparou que tinha algo na palma da mão, era um pequeno mundo que vivia sobre ele. Um mundo que necessitava dele para existir.

- O que aconteceu ao gigante? – perguntou a jovem com uma curiosidade demasiado infantil para a sua idade.

- O gigante continuou sem encontrar nenhum outro gigante. Mas sempre que chorava, lembrava-se que tinha um pequeno mundo que precisavam dele – respondi.

- É uma excelente história – a rapariga exibiu o seu fantástico sorriso. – Quanto custa a peça?

- Nada. É um presente para si. Desde que prometa contar esta história a quem lhe perguntar a origem desta peça.

- Muito obrigada. Prometo! – A expressão da rapariga convenceu-me que deve existir milhares de pessoas a querer saber uma história destas.

Nessa noite chorei. Depois sorri, ao lembrar-me de uma jovem, que me fez lembrar que sou importante neste mundo.

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